“ESTÃO TENTANDO MUDAR O RESULTADO DO JOGO DEPOIS QUE ELE ACABOU”, DIZ ROBERTO TARDELLI
247 – Durante entrevista ao programa Boa Noite 247, o procurador de Justiça aposentado Roberto Tardelli, integrante do Grupo Prerrogativas, criticou duramente a articulação entre o Supremo Tribunal Federal e o Congresso Nacional que, segundo ele, busca alterar a legislação penal de maneira a beneficiar os envolvidos nos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023.
A proposta em discussão, revelada por reportagem da jornalista Mônica Bergamo, trata de um possível ajuste legal para distinguir os diversos níveis de participação na tentativa de golpe de Estado. A mudança criaria gradações entre líderes, organizadores, executores e participantes de menor envolvimento, como os chamados “vândalos”. Tardelli afirmou que essa iniciativa, se aprovada, não poderá retroagir para agravar penas dos já condenados, mas pode facilitar a redução de punições a quem já foi julgado.
“Vamos começar por um princípio geral da lei brasileira: a lei mais grave jamais retroage para piorar a situação do réu”, explicou. “As penas mais altas que forem eventualmente combinadas para aqueles que liderarem tentativas de golpe de Estado somente servirão para os neogolpistas, para os golpistas do futuro. Para os golpistas do passado […] elas não se aplicam.” Ele avalia que a estratégia política por trás dessa movimentação mira aplacar pressões por uma anistia ampla e direta, buscando um atalho jurídico para liberar os condenados sem utilizar esse termo. “O que se pretende fazer é uma gambiarra, uma enorme, gigantesca gambiarra passando ao largo de todo mundo, até do próprio Supremo”, alertou.
Tardelli também demonstrou preocupação com os efeitos colaterais da possível nova redação legal. “Se for para fazer isso [reduzir penas], eu vou apoiar essa lei de rojão na mão, soltando rojão na rua, porque finalmente vai acontecer uma adequação penal para gente que está presa, que está bufando na cadeia, adoecendo na cadeia, por práticas de crimes muito menos graves do que tentativa de abolição do Estado democrático de direito”, afirmou. “Mas o meu temor é que eles comecem a enfiar jabuti nessas leis estranhas […] e que nada venha.”
Para o jurista, qualquer mudança no Código Penal que reduza penas para crimes como associação criminosa afetará não apenas os réus dos atos golpistas, mas também integrantes de facções criminosas e pequenos infratores. “Se você reduzir a pena para tentativa de abolição violenta do Estado democrático de direito, você beneficia todo mundo”, disse. “Hoje em dia o Ministério Público processa por organização criminosa todo mundo porque é o que dá o tchan da coisa. Se acabar com essa pena vai criar um caos no sistema penitenciário.”
Questionado se seria possível separar os chamados “bagrinhos” dos “tubarões” do golpe, Tardelli respondeu que essa engenharia jurídica seria praticamente inviável. “Você não pode chegar naquele dia, quando todo mundo invadiu, e dizer: ‘Olha, para esse aqui é menos, para esse aqui é uma semana sem sobremesa, para esse aqui vamos dar pena de multa’. Como é que vai ser isso?”, questionou. “O que estão fazendo é um acordo que eu estou muito curioso para saber como ele vai se desenhar.”
Ao criticar o que chamou de “legislar num programa de auditório”, o procurador aposentado também condenou o uso da opinião pública como régua para calibrar penas. “O que nós não podemos ter são esses casuísmos. A opinião pública acha que as penas foram altas, vamos baixar. A opinião pública acha que foram baixas, vamos aumentar. Fica algo absolutamente sem nenhum critério científico.”
Sobre o papel do Supremo Tribunal Federal, Tardelli fez uma ressalva importante: “O Alexandre de Moraes está apanhando injustamente. Como relator, ele propõe. Mas toda a dosimetria foi aprovada por maioria. Toda a decisão do Supremo é colegiada.” Por fim, ele ressaltou que o Grupo Prerrogativas está atento ao movimento e poderá reagir institucionalmente caso se confirme o que chamou de “cambalachão”. “Nós não podemos admitir. O que fizeram foi muito grave. Não tem nada mais grave do que isso.”