Na primeira leitura deste Domingo de Ramos e da Paixão do Senhor, ouvimos o início do terceiro cântico do “servo do Senhor”, esta figura misteriosa de que fala o Antigo Testamento, enviado por Deus para levar a salvação aos homens, que a tradição cristã soube identificar com Jesus Cristo: “O Senhor Deus me deu a língua de um discípulo, para que eu saiba dizer palavras de conforto à pessoa abatida; ele me desperta cada manhã e abre meu ouvido para escutar como um discípulo” (Is 50,4).
O servo que traz a salvação do Senhor não é alguém que já tem soluções fáceis e eficazes. Ele é descrito como um discípulo, alguém que precisa ouvir a realidade todas as manhãs para poder cumprir sua missão de salvação confiando somente no poder do bem. As palavras do profeta Isaías nos asseguram que Deus está tão atento à nossa história que nunca recua. Ele nos torna capazes de nunca recuar, mas de nos apresentarmos lúcidos e disponíveis para o encontro com a realidade: “O Senhor Deus abriu-me os ouvidos, e não resisti, nem me voltei para trás. Ofereci as costas aos que me batiam, e as faces aos que me arrancavam a barba” (Is 50,5-6).
Contudo, se quisermos ter acesso ao Mistério Pascal e à vida nova que dele flui, precisamos passar pela porta estreita do paradoxo da fé: aqueles que escolhem o caminho do amor e do serviço logo experimentam a rejeição e a hostilidade daqueles que precisam receber a salvação. É o que Paulo anuncia no famoso hino aos Filipenses, revelando o misterioso desígnio com o qual Deus quis oferecer ao mundo o seu rosto de amor através do esvaziamento de Jesus Cristo por nossa causa.
O tema do paradoxo, neste Domingo de Ramos, encontra seu ápice na história da Paixão, onde vemos Jesus morrendo na cruz em um “espetáculo” (Lc 23,48) de silêncio misterioso. O Pai não responde à última palavra do Filho – “Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito” (23,46) – não porque seja alheio ou insensível à sua dor, mas porque participa dela da forma mais profunda e respeitosa da sua liberdade. Seu silêncio não significa abandono, mas é o sinal da confiança no que o Filho está realizando na liberdade do seu amor. O Pai não intervém para permitir que o Filho possa dizer em profundidade o que é importante para Ele – nós e a nossa salvação – e, ao mesmo tempo, possa declarar em profundidade o que Ele está disposto a ser – um Cristo pobre e humilde, que dá a vida pelos seus amigos e também pelos seus inimigos.
No Domingo de Ramos, a Igreja nos introduz no mistério sublime da Paixão do Senhor. Somos imersos numa liturgia solene e paradoxal, onde a alegria do hosana se une à dor da cruz, num entrelaçar de glória e sofrimento, triunfo e entrega. Cristo, o Rei da Glória, entra em Jerusalém montado num jumentinho, sinal da realeza que se manifesta na humildade. Aclamado pelas multidões, Ele avança sereno rumo ao Calvário, onde consumará, com amor, a vontade do Pai.
Nesta entrada triunfal, ressoa o chamado à nossa própria entrega: não fomos criados para encerrar a vida num cofre de egoísmo, mas para oferecê-la como dom generoso. A Liturgia nos recorda que somente na oblação de si mesmo se revela a verdadeira liberdade, e que este caminho — traçado por Cristo com o sinal da cruz — é irrevogável e sagrado, pois nasce do coração do Pai. Que este dia santo nos leve a confiar plenamente naquele que não abandona os seus.
Como o Servo fiel de Isaías, possamos também dizer com firmeza: “Não me deixei abater o ânimo, porque sei que o Senhor Deus vem em meu auxílio” (cf. Is 50,7). Que o nosso nome não permaneça confundido, mas resplandeça como testemunho luminoso da fidelidade divina e do amor sem fim daquele que por nós se entregou: “Anunciarei o teu nome aos meus irmãos; e no meio da assembleia hei de louvar-vos” (Sl 21,23).
Dom João Carlos Seneme, css Bispo de Toledo |