Depois de receber o batismo de João Batista, Jesus está pronto para iniciar a sua missão, por isso é conduzido pelo Espírito Santo ao deserto. O deserto na Sagrada Escritura é o lugar da purificação, do encontro com Deus e o lugar onde se decide os rumos fundamentais da vida. Elias se retirou no deserto, João Batista também. Jesus permanece no deserto quarenta dias, termo que faz alusão aos quarenta dias que Moisés passou no Monte Sinai, aos quarenta anos que o povo de Israel passou pelo deserto. Ali ele deverá escolher: ser o rei-Messias, libertador político de Israel, como parte do povo desejava e esperava, ou ser o Servo de Deus que inaugura o reino de Deus em uma perspectiva escatológica.
Sendo humano como nós, Jesus precisa amadurecer e crescer na fé e o que ela exige dele. Por isso precisa passar pelas tentações. Deus nos ama, por isso nos quer fortes, capazes de passar pelas tentações que querem nos dominar e impor sua vontade. Deus nos quer livres, porém ele não decide por nós. Cada um deve fazer o seu caminho. Ele nos garante sua presença e amor.
Jesus é conduzido ao deserto. Ali estará sozinho, consigo mesmo para se confrontar com as tentações que o perseguirão a vida inteira. “Quarenta dias”, um número que indica uma geração. Lucas nos alerta que toda a vida de Jesus será marcada por essas seduções. “Ele não comeu nada naqueles dias”.
A tentação testa a liberdade, a capacidade de escolha. Jesus vive a humanidade em plenitude, marcada por aquele elemento fundamental que é a liberdade. Jesus deve escolher como anunciar a Palavra, como falar de Deus. Ele sabe tudo sobre o Pai, é o Seu Filho! Porém, deve desenvolver uma estratégia para realizar sua missão: fazer com que a humanidade tome conhecimento do amor incondicional do Pai. No deserto, Jesus deve escolher o Messias que ele quer ser.
O diabo chega e a batalha começa. Parece um conflito entre estudiosos bíblicos, onde cada um cita a escritura literalmente: o diabo, invertendo seu significado; Jesus, trazendo-a de volta ao seu significado original.
No deserto, ele convida Jesus a escolher o caminho mais simples, anunciado pelos profetas e por João: um Messias triunfante, forte, aclamado por todos. Em suma, é melhor ser um Messias como as pessoas esperam, como nós esperamos: pronto para resolver problemas (porque Deus é onipotente e pode fazer tudo) e, finalmente, pronto para fazer justiça, isto é, punir os maus e recompensar os bons.
Jesus se recusa a fazer gestos espetaculares, se recusa a explorar sua relação de amor com o Pai por motivos triviais. Ele escolhe diferente, ele escolhe ir aos corações das pessoas, arriscar sua vida na lógica do amor, para revelar a verdadeira face de Deus. Ele será um Messias humilde, sem muito alarde, que usará apenas a arma do amor em sua batalha contra o mal. O resultado não é garantido. Os homens entenderão? As pessoas ficarão contentes em alimentar seu Espírito e não seu estômago? E se as coisas não saírem como planejado? Aqui o risco é de Deus, mas o amor sempre corre riscos.
Na vida seremos provados o tempo todo. Cada prova, se superada, nos enraíza cada vez mais em Deus. Mas há uma tentação maior: fugir da tentação, evitar o que é difícil, escapar das tempestades. Parece uma solução, mas não é. O deserto não pode ser evitado: é preciso permanecer nele o tempo que for necessário e atravessá-lo.
Jesus fez a sua escolha. Precisamos fazer a nossa. Que tipo de ser humano queremos ser? A escolha é nossa, o mundo está sempre nos testando, mas nós somos os mestres de nossas vidas. No evangelho aprendemos que Jesus, no deserto, conseguiu se libertar do diabo para nos libertar do diabo. Ele faz isso por amor ao Pai e à humanidade
Dom João Carlos Seneme, css Bispo de Toledo |