As leituras deste domingo (9/02) se desenvolvem de maneira bastante harmônica: um trecho do profeta Isaías que recorda as circunstâncias do início de seu ministério; o testemunho de Paulo que, ao escrever aos Coríntios, fala de si mesmo e do dom de anunciar o Evangelho; e o relato da pesca milagrosa com a qual se inaugura a vida de seguimento dos discípulos e ilumina o momento e as circunstâncias dos primeiros passos da vida da Igreja. Poderíamos intitular este domingo da seguinte forma: os três tempos da vocação, ou o mistério da vocação em três tempos e com três pessoas diferentes. Em cada leitura, encontramos um personagem diferente: Isaías, Paulo e Pedro. Personalidades, sem dúvida, não banais e de temperamento forte. O fato de podermos nos aproximar dessas três figuras bíblicas como se estivessem postas em paralelo nos permite perceber alguns aspectos da pedagogia divina que, ao menos em alguns aspectos, dizem respeito também a cada um de nós e à Igreja como um todo.
Uma constante nessas três experiências é o encontro com a realidade de Deus, percebida como algo que nos coloca em contato com aquilo que nos transcende radicalmente. Isaías, no Templo, sente-se sobrecarregado e quase aniquilado pelo peso da santidade de Deus, a ponto de exclamar: “Ai de mim! Estou perdido. Sou apenas um homem de lábios impuros e vivo no meio de um povo de lábios impuros” (Is 6,5).
Na mesma linha, Simão Pedro se sente perdido diante do desconhecido Jesus, a quem emprestou a barca e que depois lhe encheu as redes, depois de labutar a noite inteira sem resultado. Diante de tudo isso, não encontra outra reação senão dizer: “Senhor, afasta-te de mim, porque sou um pecador” (Lc 5,8). Paulo não conseguirá e nunca poderá esquecer sua feroz e intensa aversão aos discípulos daquele Jesus que lhe apareceu no caminho para Damasco, em uma luz tão nova que o cegou e o fez cair. Por isso, como Pedro e como Isaías, ele tem uma clara consciência do dom “recebido” (1Cor 15,3), com o qual está profundamente ligada a consciência de sua própria indignidade: “Sou o menor dos apóstolos, e não sou digno de ser chamado apóstolo, porque persegui a Igreja de Deus” (15,9).
No entanto, é justamente Paulo quem nos revela o segredo para compreender e acolher o dom da presença de Deus em nossa vida: “Pela graça de Deus, sou o que sou, e a sua graça em mim não foi em vão” (1Cor 15,10).
As palavras que os anjos proclamam no Templo – “Santo, santo, santo…” (Is 6,3) – e que entoamos no momento mais transcendente da celebração eucarística nos lembra como e quanto Deus é “outro” e com quem queremos nos relacionar. A alteridade divina, que se impõe em sua absoluta diferença, é como um fogo devorador, que revela a verdade de cada pessoa. Assim, três figuras de homens enfrentando a si mesmos e o mistério de Deus em sua vida, e uma única mensagem: só o Senhor pode nos fazer conhecer e experimentar a salvação, reconciliando-nos com o que somos e nos ajudando a dar o melhor de nós mesmos, justamente na medida em que sabemos assumir e nomear nossos limites, nossas incapacidades, nossos pecados!
Pedro pediu para Jesus se afastar dele, como Isaías fez com os serafins, mas foi tranquilizado. “Não tenha medo”, disse o Mestre ao seu novo discípulo, “de agora em diante, serás pescador de homens” (Lc 5,10). Essas palavras não foram ditas apenas para Pedro. Foi uma experiência coletiva e que Tiago e João fizeram parte dela: “Eles deixaram tudo e o seguiram” (Lc 5,11).
As palavras e ações de Jesus foram destinadas a enviar cada discípulo, incluindo aqueles de nosso próprio tempo. Que possamos levar a sério o que Jesus nos diz neste domingo por meio do Evangelho, para que possamos “lançar as redes em águas profundas” e jogar nossas redes para uma pesca.
Dom João Carlos Seneme, css Bispo de Toledo |