No primeiro domingo depois do Natal, a Igreja celebra a Festa da Sagrada Família. As leituras escolhidas para esta festa que prolonga a alegria do Natal nos ajudam a compreender qual tipo de santidade marcou a experiência da família de Nazaré. No Evangelho, descobrimos que à Sagrada Família não são poupadas aquelas experiências amargas e dramáticas que atravessam, como acontece com todas as famílias. No Evangelho (Lc 2,41-52), o filho de José e Maria aparece livre para seguir um caminho diferente daquele que seus pais seguem. Jesus é colocado no Templo, casa do “seu Pai”, para iniciar o projeto salvador da humanidade. Naquele momento ele se revela não somente como filho de Maria e José, mas também como filho do Pai, que escuta, interroga, maravilhando todos os presentes por sua inteligência e suas respostas.
Segundo o Evangelho, a Sagrada Família aparece como uma comunidade de vida aberta ao mistério e ao plano de Deus, onde cada um sabe ouvir o outro e fazer as perguntas necessárias para que nenhuma divisão impeça o crescimento de cada um em plena liberdade. Diante do filho finalmente encontrado, Maria não o repreende e não fica em silêncio, mas o interroga: “Filho, por que nos fizeste isso? Eis que teu pai e eu, angustiados, te procurávamos” (Lc 2,48).
Muitas tensões e dores que vivenciamos dentro de nossas casas nascem da incapacidade de comunicar ao outro os sentimentos e as perguntas que carregamos no coração. Maria e José, ao contrário, mostram-se capazes de guardar um coração que não “repreende nada” (1Jo 3,21), mas sabe se comunicar com confiança, deixando o outro livre para continuar percorrendo seu próprio caminho: “Não sabíeis que eu devo cuidar das coisas de meu Pai?” (Lc 2,49).
As duas primeiras leituras de forma concordante, todo filho vem de Deus e a ele pertence (primeira leitura), e todo filho de Deus não pode ser outra coisa senão acolhido como uma misteriosa realidade em constante transformação (segunda leitura). Uma família santa, portanto, é um núcleo humano onde nunca se esquece da fundamental pertença a Deus que cada um é chamado a descobrir e viver. Maria e José compartilham os sentimentos de medo e angústia que todo pai e mãe conhece, mas permanecem obedientes a Deus, lembrando-se de que o filho que receberam pertence a Deus. Por isso, conseguem permanecer unidos diante de Jesus e autênticos em relação a ele: “Jesus partiu com eles e voltou a Nazaré, e estava-lhes submisso… E crescia em sabedoria, estatura e graça diante de Deus e dos homens” (Lc 2,51-52).
O Cristo menino é obediente aos seus pais que, por sua vez, permanecem obedientes à vontade de Deus. Assim cresce a vida e o amor em uma família humana, por meio de um amor cuidadoso que nunca se torna obsessivo, porque está enraizado numa esperança sólida e viva.
Dom João Carlos Seneme, css Bispo de Toledo |