” E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará” João 8:32. O conceito da “verdade” vem desafiando a humanidade por milhares de anos. Filósofos da antiga Grécia debatiam a natureza da verdade. Custei a entender essa palavra. Sempre entendia que existisse uma grande verdade teológica, filosófica, ideológica, objetiva e estável, à qual deveria aproximar-me. Na medida em que dela me aproximasse, alcançaria a libertação. Hoje, entendo esse versículo de maneira diferente. A verdade a ser conhecida é a nossa própria verdade. É praticar o exercício de admitir a nossa própria realidade, com honestidade. Admitir a nossa própria realidade, isso sim, nos liberta. Esse exercício poderá ser doloroso, pois significa o olhar para dentro de nós mesmos, sem medo de encarar as nossas contradições e fraquezas e admiti-las. Como cristãos podemos ter a necessária coragem para tanto, pois sabemos que Deus nos aceita por graça e não por méritos. Podemos, pois, ser honestos conosco mesmos e com Deus.
O que vale para os indivíduos também vale para um povo, uma nação. Ocultar a verdade não liberta e leva a reincidir no erro. Arquivar fatos históricos, destruí-los, cobri-los com o verniz da boa aparência, interpretá-los da forma mais conveniente, esta é uma prática nociva, pela qual um povo a si mesmo se engana. Assim, evitará a dor da verdade, mas pagará o preço de não experimentar a libertação.
Na cultura brasileira vigora uma mentalidade que tem uma facilidade incrível de ornamentar os problemas com o enfeite da boa retórica. Problemas como a discriminação racial, o genocídio dos povos indígenas, a agressão ao meio-ambiente e outros mais, quando abordados pelas altas autoridades nacionais, invariavelmente recebem a cobertura envernizada do enfeite retórico. Assim, cria-se a impressão de que os problemas já estão resolvidos ou que se constituem, até mesmo, em virtudes nacionais. Evita-se encarar o problema em toda sua crueza, para atacá-lo pela raiz e resolvê-lo. Assim, ele persistirá, porque não se quer a verdade que liberta.
Quando surgem casos cuja evidência não se deixa encobrir – não falta quem encontre sempre mais uma gaveta para arquivar qualquer processo para “evitar retalhações”, para “não desenterrar um passado de conflitos”, para “não reacender ânimos antagônicos.” Dessa forma, o povo brasileiro caminha de tropeço em tropeço, não aprende com eles e nem com a sua história e foge da verdade que liberta.
Conta uma parábola de origem judaica que a Mentira e a Verdade, em um dia de sol, saíram a caminhar no campo. E resolveram banhar-se nas águas de um rio que se apresentava muito convidativo. Cada uma tirou a sua roupa e caíram na água. Mas, a um dado momento a Mentira aproveitou-se da distração da Verdade, saiu da água e vestiu as roupas da Verdade. Quando esta saiu da água, negou-se a usar as vestes da Mentira. Saiu nua a perseguir a Mentira. As pessoas que as viam passar acolhiam a Mentira com as vestes da Verdade, mas proferiam impropérios e condenações contra a atitude despudorada da Verdade. Moral: as pessoas estão mais dispostas a aprovar a Mentira com vestes de Verdade do que enfrentar a Verdade nua e crua.
* Filósofo e teólogo – professor de filosofia, antropologia e história. Professor da Rede Estadual de Educação pardinhorama@gmail.com |