Após terem tomado o controle da capital síria, os rebeldes anunciaram um toque de recolher em Damasco a partir da tarde deste domingo (8) até a madrugada de segunda-feira (9), conforme anúncio feito no Telegram pelas facções radicais islâmicas lideradas pelo grupo Hayat Tahrir al-Sham (HTS). Os rebeldes comemoraram a chegada de seu líder, Abu Mohammad al-Jolani a Damasco, poucas horas depois da queda da capital síria para a rebelião armada. Os acontecimentos no país causaram espanto nas capitais árabes e geram receios de uma nova onda de instabilidade regional.
Menos de duas semanas após o início de sua ofensiva na Síria, os rebeldes derrubaram o regime do presidente Bashar al-Assad, que se acredita tenha fugido do país, pondo fim ao governo da dinastia Assad. O primeiro-ministro sírio diz estar pronto para qualquer “transferência” de poder e para cooperar com a “liderança” escolhida pelo povo. Ao chegar a líder Ahmed al-Chareh (nome verdadeiro de Mohammad al-Jolani) prostrou-se e beijou o chão”, anunciou a coligação rebelde em sua conta no Telegram. As imagens mostram o chefe do Hayat Tahrir al-Sham (HTS) abaixado sobre um qramado.
Alto, com uma barba bem aparada, Abu Mohammed al-Jolani apresenta uma aparência muito diferente daquela que tinha quando era líder de um ramo da Al-Qaeda. O líder do Hayat Tahrir al-Sham (HTS) faz de tudo para se mostrar, a partir de agora, mais moderado. Ele trocou o traje tradicional por um terno ou uniforme militar e, desde a ofensiva que levou à queda de Bashar al-Assad, pediu para ser chamado pelo seu nome civil, Ahmed Hussein al-Chareh, e não mais pelo seu nome de guerra. O líder dos rebeldes sírios também foi à famosa Mesquita dos Omíadas, ou a Grande Mesquita de Damasco, onde discursou. Ao entrar na icônica mesquita da Cidade Velha, ele foi saudado por uma multidão que gritava “Allah Akbar” (Deus é maior, segundo vídeos que circulavam no país).
Bashar al-Assad “fugiu” da Síria, segundo anunciaram os grupos rebeldes em Damasco. Enquanto os sírios expressam a sua alegria, o primeiro-ministro Mohammad Ghazi al Jalali disse que o país deveria realizar eleições livres para que a população pudesse escolher o seu futuro. Porém, isso exigiria uma transição suave, num país onde os interesses são complexos e divergentes, desde islamistas radicais a grupos ligados aos Estados Unidos, à Rússia e à Turquia. Mohammad Ghazi al Jalali também disse ter feito contato com o comandante rebelde, Abu Mohammed al Golani, para discutir como será o período de transição. “Colapso interno precipitou a queda do regime de Assad”
Em entrevista à RFI, Hasni Abidi, diretor do Centro de Estudos e Pesquisas sobre o Mundo Árabe e Mediterrâneo, analisa a formação da coligação rebelde que derrubou Bashar al-Assad, constituída de cinco grupos, e capaz de derrotar as Forças oficiais sírias. “Todos são de obediência islamista, com ideologias entre o salafismo e o jihadismo, com muitas nuances, mas com atuação nacional”, define. “Essa organização HTS aprendeu lições de suas alianças precedentes com a Al-Qaeda e o Estado Islâmico”, continua. “Bashar al-Assad foi enfraquecido pela Primavera Árabe, [a partir de 20111, pelas manifestações, mas também por um número significativo de grupos islâmicos e secularistas”, pontua. Porém, “Assad resistiu graças a dois apoios: os russos que deram uma cobertura aérea e o Irã”, completa Abidi.
De acordo com o acadêmico, a chegada da oposição ao poder não é surpreendente. “Se tomarmos as entrevistas e declarações de Abu Mohamed al-Jolani, o líder do HTS [grupo rebelde islâmico], ele disse que nunca desistiu do objetivo principal de impor o colapso do regime”. Abidi acrescenta que, nos últimos anos, Assad perdeu apoio internacional, da população síria e do Exército, o que explicaria a facilidade com que a oposição rebelde conquistou Damasco. Para Hasni Abidi, o que se observa hoje “é o resultado de uma longa desintegração do Exército sírio”. Ele cita o simbolismo de que “o chefe do governo, escolhido pelo próprio Assad, foi o primeiro político a pedir à oposição que trabalhasse em conjunto e assegurasse uma transferência de poder. Isto quer dizer que houve um colapso interno que precipitou a queda de Assad”, analisa.
TURQUIA PRONTA PARA DAR COBERTURA
A Turquia, que apoia os grupos rebeldes sírios, disse estar pronta para ajudar a Síria a “garantir a sua unidade” e “a sua segurança”, após a queda do regime de Bashar al-Assad. “A Turquia está pronta para assumir a responsabilidade por tudo o que for necessário para curar as feridas da Síria e garantir a sua unidade, integridade e segurança”, afirmou neste domingo o ministro das Relações Exteriores turco, Hakan Fidan. “Intensificaremos o nosso trabalho sobre este assunto com os países da região e atores internacionais nos próximos dias”, acrescentou, dizendo esperar que os “milhões de sírios que tiveram de abandonar as suas casas possam voltar para suas terras.” A Turquia compartilha mais de 900 km de fronteira com a Síria e acolhe cerca de três milhões de refugiados sírios em seu território.
A estabilização das áreas ocidentais da Síria, conquistadas pelos rebeldes, será essencial. Os governos ocidentais, que se mantiveram afastados do regime de Bashar al-Assad, devem agora decidir como lidar com uma nova administração, na qual o grupo Hayat Tahrir al Cham (HTC), o antigo braço sírio da Al Qaeda, goza de mais influência. A Jordânia afirmou neste domingo a importância de preservar a estabilidade e a segurança da Síria, segundo agência de notícias oficial do país. As reações internacionais se sucedem após a tomada de Damasco por rebeldes islâmicos e a fuga do presidente sírio, cujo paradeiro é desconhecido. França e União Europeia celebraram neste domingo um marco “positivo” e pedem unidade do povo sírio. Em Israel, Benjamin Netanyahu fala em desestabilização do “eixo do mal”, enquanto o Irã confirma apoio incondicional ao regime sírio.