O assunto da discussão entre os fariseus e Jesus, a noção de limpo e impuro não se refere à higiene. Tem a ver com uma compreensão da santidade de Deus, que ordena a vida do povo de Israel. Somente aqueles que são limpos podem participar do culto. Este sistema serviu bem a Israel, mantendo a identidade do povo diante das pressões externas da cultura pagã dominante do Império Romano do primeiro século. Jesus, ao desafiar as leis de pureza, desafia a proteção e a segurança fornecidas por essas Leis a Israel.
Na discussão com os fariseus e os escribas Jesus chama a atenção à religião do coração: “Amarás o Senhor, com todo o teu coração, com toda a tua alma e com todas as tuas forças (Dt 6,5). Coração, alma e forças são expressões de um amor total, que penetra toda a pessoa. Sua intenção é chamar a atenção para que a religião não seja restrita ao cumprimento de normas, mas que ela converta os corações e seja instrumento de inclusão e fraternidade.
Jesus traz uma novidade profunda para dar mais sentido as práticas religiosas do seu tempo. Jesus desloca todo o sentido da Lei do exterior para o interior, dos lábios para o coração, de “fora” do homem para “dentro” dele. “Porque é do interior do coração dos homens que procedem os maus pensamentos: devassidões, roubos, assassinatos, adultérios, cobiças, perversidades, fraudes, desonestidade, inveja, difamação, orgulho e insensatez. Todos estes vícios procedem de dentro e tornam impuro o homem (Mc 7,21-23). Na linguagem bíblica o coração é o centro da personalidade, onde amadurecem as opções livres e conscientes.
As tradições humanas não contêm totalmente a sabedoria de Deus. Há costumes que podem ser empecilhos para viver a verdadeira fé. A pressão externa pode conduzir a pessoa à hipocrisia e à falsidade que induz ao erro através da manipulação religiosa que faz passar um modelo social por vontade de Deus. As normas e leis quando são iluminadas pela Palavra de Deus libertam e conduzem à vida.
Jesus não é contra as leis ou mandamentos que regem a sociedade. Ele é radicalmente contra as leis e tradições que não estão enraizadas no centro dos mandamentos, mas têm sua origem no egoísmo humano que busca vantagens pessoais às custas dos outros. Deste modo, Jesus condena o fingimento e a falsidade das pessoas que fundamentam suas vantagens em “nome do Templo”, ou seja, da fé.
Por isso o mais importante é educar o próprio coração no amor de Deus. A atitude da escuta é fundamental, por isso, os judeus recitam diariamente várias vezes o mandamento mais importante: Escuta, Israel, o Senhor, nosso Deus é um só. Amarás o Senhor teu Deus com todo o coração, com toda a alma, com toda a mente, com todas as tuas forças. Jesus acrescenta que o segundo mandamento é: Amarás o próximo como a ti mesmo”. Não há mandamento maior que esses (Mc 12,29-31).
Por isso, devemos prestar atenção à livre decisão que nasce dentro dos nossos corações. Trata-se de refletir, considerando tudo, agindo de acordo com o mandamento principal de amor a Deus e ao próximo, que ilumina os outros mandamentos e coloca cada um no seu lugar.
Iniciamos o mês da Bíblia com a finalidade de renovar o convite a uma aproximação cada vez maior à Sagrada Escritura. Este ano vamos rezar e estudar o Livro de Ezequiel. Iluminado pelo lema “Porei em vós meu espírito, e vivereis” (cf. Ez 37,14), este tempo faz ressoar mais uma vez entre nós a certeza de que o Espírito do Senhor nos conduz à redescoberta da esperança como caminho que dá sentido à vida, colocando-nos no caminho de Deus.
Dom João Carlos Seneme, css Bispo de Toledo |