No domingo passado, o Evangelho de Marcos nos recordou dois exemplos de fé: o da mulher com fluxo de sangue e o de Jairo. Neste domingo nos mostra a reação totalmente oposta dos nazarenos, que surpreendem Jesus com a sua falta de fé (Mc 6,1-6). O fato de um profeta não ser aceito entre os seus não é novidade. Já aconteceu com os profetas da antiguidade. O caso mais marcante é o de Ezequiel. Deus o alerta, no momento da sua vocação, que a sua atividade está condenada ao fracasso.
Também em um sábado, em Cafarnaum, Jesus está na sinagoga e as pessoas perguntam espantadas: “De onde recebeu ele tudo isto? É um ensinamento novo, com autoridade. Até os espíritos imundos recebem ordens e lhe obedecem”. O ensinamento e os milagres suscitam admiração e confiança em Jesus, que nessa mesma noite realiza numerosos milagres (Mc 1,21-34).
Em Nazaré, as pessoas também ficam maravilhadas. Mas o ensino de Jesus e os seus milagres não suscitam a fé, mas sim a incredulidade. Este episódio mostra que os milagres são inúteis quando as pessoas se recusam a acreditar.
Os milagres de Jesus constituíam um enigma para as autoridades teológicas da época, os escribas, que concluíram: “Ele tem Belzebu e expulsa os demónios pela mão do chefe dos demónios” (Mc 3,22).
Os nazarenos não vão tão longe. Adotam uma posição estranha: não negam a sabedoria e os milagres de Jesus, mas, como o conhecem desde criança e conhecem a sua família, não encontram explicação para eles e se escandalizam com ele.
Em grego, a palavra escândalo designa uma armadilha, um laço ou uma cilada para apanhar animais. No Evangelho indica aquilo que impede o seguimento de Jesus, algo que deve ser radicalmente eliminado (“se a tua mão, o teu pé, o teu olho, te escandaliza… corta-o, arranca-o”).
No texto de hoje, Jesus mesmo se torna um obstáculo para aqueles que buscam segui-lo, não por causa de suas ações, mas devido à sua origem. Quando tentamos entender Jesus, descobrir “de onde vem”, conhecer sua família, se o interpretamos somente a partir da perspectiva humana, ele se torna um obstáculo para nossa fé.
O episódio de Nazaré se torna um símbolo do que acontecerá a Jesus com a maioria dos israelitas: “Um profeta só não é estimado em sua pátria, entre seus parentes e familiares”.
Jesus fracassou em Nazaré, mas isso não o desencoraja nem o faz parar a sua atividade. Como Ezequiel, quer o escutem quer não, ele deixará um testemunho claro de que no meio de Israel há um profeta.
Talvez também nós nos escandalizemos com o fato de que, ainda hoje e na nossa vida, a presença do Senhor não é tão extraordinária como esperamos e desejamos, mas muito parecida com a de um simples “carpinteiro”. Aceitar que Jesus é, na verdade, portador de uma palavra profética, significa aceitar que também nós podemos e devemos ser, com a nossa vida, portadores de uma palavra que é maior do que nós e que é Palavra de Deus.
Dom João Carlos Seneme, css Bispo de Toledo |