O Evangelho de Marcos, que acompanha o caminho de oração da Igreja neste ano litúrgico, nos propõe neste domingo enfrentar o tema da fé, o verdadeiro centro neurálgico para a sequela de todo discípulo de Cristo. Na narrativa evangélica, vemos a fé dos Doze sendo posta à prova durante a passagem “para a outra margem” (Mc 4,35), ao final de um dia em que Jesus explicou às multidões, à beira-mar, o mistério do Reino de Deus por meio de parábolas. Considerando o contexto narrativo, Jesus já é abertamente contestado e incompreendido, tanto pelas autoridades religiosas quanto por seus parentes. Podemos imaginar que também nos discípulos começam a surgir algumas dúvidas relativas à identidade e a missão de seu Mestre. A lógica paradoxal do evangelho começa a assustar os seguidores de Jesus.
Os discípulos, ao comando de Jesus, sobem no barco. De repente, inicia uma tempestade; fenômeno comum no Mar da Galileia. Quando os pescadores se dão conta, já estão no meio da tempestade. É uma cena que quer mostrar mais do que uma simples adversidade. Há um grande contraste: enquanto o barco está à deriva, Jesus dorme! Os apóstolos se preocupam cada vez mais e o medo toma conta deles. De um lado desespero, de outro a tranquilidade de Jesus! Então gritam a Jesus em um misto de desespero e confiança. Eles acreditam nele e sabem que pode fazer alguma coisa.
Mais do que uma relato de uma viagem de Jesus com os discípulos através do Lago de Tiberíades, o relato do evangelista Marcos deve ser visto como uma página de catequese sobre a caminhada dos discípulos em missão no mundo. Os elementos utilizados aparecem sempre na Bíblia: o mar é símbolo do mal e da morte. Diante dele o ser humano se depara com uma força que não é capaz de dominar. O barco é sempre símbolo da Igreja que navega em meio às dificuldades e ameaças: tempestades, tormentas, ondas enormes.
No momento do desespero, os discípulos gritam por Jesus e são prontamente atendidos. Ele se levanta e, com palavras seguras, domina a fúria do vento e do mar. Manifesta um poder que é próprio de Deus. De dentro do barco, Jesus revela a sua divindade e o poder de Deus contra o mal. Na cruz Jesus venceu a morte. Para os discípulos e para nós, hoje, o texto ajuda a consolidar nossa fé em Deus. É um apelo à confiança e a não se deixar dominar pelo medo. Deus está sempre presente, “Tende confiança, eu venci o mundo”, “Eis que estarei sempre convosco até o fim dos tempos”.
Diante das dificuldades devemos sempre nos lembrar dessas palavras e pedir com confiança e fé: “Senhor, ajuda-nos”. O medo e o desespero paralisam, a confiança e a fé nos fazem “ir para outra margem” com ousadia e coragem. A certeza da presença de Jesus, principalmente diante das dificuldades, nos ajudará a concretizar no mundo a missão de discípulos missionários.
Viver segundo os princípios cristãos não significa que nunca passaremos por dificuldades; elas sempre farão parte de nossa vida, de nossa missão. O importante é não perder a confiança e nem deixar que o medo, as “tempestades” nos façam desanimar ou buscar refúgios que nos afastam do mundo. O convite é para “avançar para águas mais profundas”, ir “para outra margem” onde seremos desafiados, mas o Senhor estará sempre conosco. A Eucaristia é o alimento que sustenta nosso caminhar e nosso testemunho.
Dom João Carlos Seneme, css Bispo de Toledo |