Nesta semana reproduzirei aqui texto escrito em Roma por Cícero há 2084 anos e endereçado a seu irmão, Marco Cícero, candidato, em 63 a. C., ao mais alto cargo da República, o de cônsul, equivalente ao de nosso presidente. Espero que seja útil aos nossos candidatos e, também, aos eleitores chateaubriandenses:
“Trate de se apresentar muito bem preparado para os discursos. Numa campanha eleitoral, você deve se dedicar a obter o apoio dos amigos e o apreço do povo. Deve construir amizades de todos os tipos: para ter uma boa imagem, homens com carreira e nomes ilustres (os quais, mesmo se não têm interesse em declarar seu voto, ainda assim conferem prestígio ao candidato); para garantir a proteção da lei, magistrados.
Três coisas levam os homens a se sentirem cativados e dispostos a dar o apoio eleitoral: um favor, uma esperança ou a simpatia espontânea. Graças aos mais insignificantes favores, as pessoas são levadas a julgar que há motivos suficientes para declarar seu apoio.
Quanto aos que são atraídos pela esperança, aja de modo a parecer pronto e disposto a prestar ajuda, e também de forma a perceberem que você é um observador cuidadoso das tarefas executadas por eles.
O terceiro tipo é o de apoio espontâneo, que será preciso consolidar expressando agradecimento, adaptando os discursos aos argumentos que parecem seduzir cada adepto isoladamente, dando mostras de retribuir-lhes a mesma simpatia, sugerindo que a amizade pode transformar-se em íntima e habitual.
No desenrolar da campanha eleitoral, inúmeras e utilíssimas amizades são adquiridas, porque, apesar de seus muitos inconvenientes, ser candidato tem isto de bom: você pode, de uma maneira honesta – o que é impossível no resto da vida -, atrair à amizade de todos os que quiser.
Volte sua atenção para a cidade inteira, todas as associações, todos os distritos e bairros. Se você atrair à amizade de seus líderes, facilmente terá nas mãos, graças a eles, a multidão restante. Rastreie, vá ao encalço de homens de toda e qualquer região, passe a conhecê-los, cultive e fortaleça a amizade, cuide para que, em suas respectivas localidades, cabalem votos para você e defendam sua causa como se fossem eles os candidatos.
Homens de cidades pequenas e da zona rural, se os conhecemos pelo nome, acham que privam de nossa amizade. O empenho dos mais jovens em cabalar votos, visitar eleitores, trazer notícias, acompanhá-lo nas passeatas é algo admiravelmente importante e prestigioso. (…)
(…)Agora, deve tomar o maior cuidado com o seguinte: se alguém lhe prometeu fidelidade e você ouviu falar ou descobriu que tem duas caras, como se diz, finja que não ouviu ou percebeu isso; se alguém, julgando que você suspeita dele, quiser atestar inocência, garanta com firmeza que nunca desconfiou do apoio que recebe nem tem por que desconfiar. É fundamental saber que intenção cada pessoa tem em mente, para poder decidir até que ponto confiar em cada uma.
Convença-se de que você deve ensaiar, até que pareça agir naturalmente; com efeito, não lhe falta a cortesia apropriada a um homem bom e gentil; é preciso, porém, mais que isso, uma certa bajulação, a qual, mesmo sendo viciosa e torpe no restante da vida, é imprescindível numa campanha eleitoral.
De fato, quando a bajulação é usada para corromper, é vil; quando é para aproximar pessoas amistosamente, não é tão execrável, é necessária, na verdade, para um candidato cujos humor, semblante e discurso devem mudar e se acomodar às convicções e desejos de cada pessoa que encontra.
Outro conselho diz respeito a um pedido ao qual não seja capaz de atender: nesse caso, negue de modo simpático ou, então, não negue de jeito nenhum; a primeira atitude é de um bom homem; a segunda, de um bom candidato. Todas as pessoas, no íntimo, preferem uma mentira a uma recusa. Cuide para que sua campanha inteira seja repleta de pompa que seja brilhante, esplêndida e popular, que tenha uma imagem e um prestígio insuperáveis.
E também, nesta eleição, se deve acima de tudo ficar atento e gerar uma esperança otimista na política, bem como uma opinião honorável a seu respeito. Como o maior de todos os vícios da sociedade reside no fato de que, quando entram em campo a corrupção e o suborno, ela costuma esquecer-se da moral e da dignidade, trate de se conhecer bem, isto é, perceba que você é quem pode provocar em seus concorrentes o mais intenso pavor de um processo e uma condenação. Faça com que eles saibam que os vigia e os observa.
Desejo que este manual para as eleições seja considerado perfeito sob todo e qualquer ponto de vista.
* César Gomes de Freitas é professor do Campus Assis Chateaubriand do Instituto Federal do Paraná (IFPR). Possui Pós-Doutorado pela Universidade Federal Fluminense, doutorado pelo IOC/Fiocruz, mestrado pela UCDB e é bacharel em Administração e Ciências Contábeis. Contato: cesar.freitas@ifpr.edu.br |