O jornalista americano Michael Shellenberger, responsável por divulgar pela primeira vez os Twitter Files Brasil ao lado dos brasileiros David Ágape e Eli Vieira (jornalista da Gazeta do Povo), falou uma frase fatal: “Agora é a hora de o Congresso brasileiro agir contra o extremismo antidemocrático de Alexandre de Moraes”. A constatação de Michael é óbvia, mas o Congresso brasileiro, em especial o Senado, tem terceirizado suas funções para o Congresso americano, que com apenas um relatório colocou em xeque o sigilo que acobertava o regime de censura de Alexandre de Moraes.
De fato, as revelações dos Twitter Files logo deram lugar a outras, ainda mais bombásticas: a dos arquivos do Congresso americano, depois que o Comitê de Assuntos Judiciários daquela casa publicaram um relatório denunciando a censura no Brasil e revelando cerca de 90 ordens e decisões judiciais secretas de Moraes. Na noite de ontem, (24), a Rumble, plataforma de vídeos que preferiu sair do Brasil a obedecer às ordens autoritárias de Moraes, confirmou que recebeu uma intimação do Congresso americano para entregar todas as ordens de censura que recebeu, o que indica que uma nova onda de revelações vai chegar em breve sobre o que aconteceu no Brasil nos últimos anos.
A ofensiva contra os abusos de Moraes traz, naturalmente, perguntas sobre a possibilidade de o ministro vir a sofrer um impeachment no Senado, apesar da omissão persistente de Rodrigo Pacheco que, como presidente do Senado, é o único com poder de pautar um eventual pedido de impeachment. Apesar da reticência de Pacheco, circunstâncias políticas mudam a todo momento, e é impossível saber quando o jogo pode virar. A principal preocupação de Pacheco hoje, segundo a imprensa, é se eleger governador de Minas Gerais em 2026 com o apoio do governo Lula, mas se o governo enfraquecer e a economia piorar, ou um grande escândalo de corrupção for revelado, Pacheco terá que se socorrer na direita, que hoje o chama de “frouxo” e “omisso”, como fez o pastor Silas Malafaia em Copacabana no domingo (21).
Mas afinal: Moraes pode sofrer impeachment por censurar brasileiros? Considerando os acontecimentos recentes, há pelo menos 3 hipóteses previstas na lei nº 1.097/50 (lei de impeachment) que se adequam à conduta de Alexandre de Moraes, pelo menos em tese. A primeira hipótese está prevista no inciso 2º do art. 39 da lei, que define como crime de responsabilidade “proferir julgamento, quando por lei, seja suspeito na causa”. Moraes já foi acusado de agir com suspeição em vários casos, mas nas denúncias recentes os próprios americanos se encarregaram de fazer isso, como expliquei com detalhes neste artigo.
Uma das críticas mais recorrentes ao ministro Alexandre de Moraes é de que ele é delegado, investigador, procurador e juiz ao mesmo tempo nos inquéritos em que é relator no Supremo. Além disso, ele julga casos em que a vítima é ele mesmo. Segundo os congressistas norte-americanos, foi isso que aconteceu no caso do influenciador Monark, já que Moraes mandou derrubar todas as redes sociais do influenciador e o censurou, supostamente o impedindo de divulgar “fake news”, depois de Monark criticar o próprio Moraes. “Em outras palavras, Moraes ordenou a censura de um cidadão brasileiro por criticar Moraes por censurar brasileiros”, diz uma das frases mais fortes do relatório do Congresso americano.
O Código de Processo Penal, em seu art. 252, inciso IV, diz que o juiz não pode decidir quando ele próprio for interessado no resultado do julgamento. Que situação melhor concretiza essa hipótese do que a do juiz que é vítima dos crimes que ele mesmo está julgando? Os inquéritos do 8 de janeiro também se encaixam nessa previsão de crime de responsabilidade, já que o próprio Moraes assumiu a condição de vítima ao dizer, até agora sem provas, que haveria dois planos de sequestrá-lo e matá-lo no 8 de janeiro, durante entrevista ao jornal O Globo (aliás, ele mesmo não violou sigilo judicial?). Nenhuma vítima está autorizada ou credenciada a ser juiz do próprio caso.
A segunda hipótese, do inciso 4º do art. 39, é a de “ser patentemente desidioso no cumprimento dos deveres do cargo”. Se é crime de responsabilidade ser patentemente desidioso, o que será agir de propósito para violar os deveres do cargo de juiz? Moraes foi recentemente acusado pelo advogado Thiago Pavinatto por vários crimes em razão da triste morte de Clezão, que faleceu na Papuda mesmo com parecer de soltura da PGR, que ficou pelo menos dois meses mofando na gaveta de Moraes, que nunca decidiu. Ao deixar de decidir no caso, inclusive depois da apresentação de laudos e atestados médicos que comprovaram o risco de vida do Clezão, restou comprovada a desídia, que é o desleixo e a negligência com os deveres do cargo.
Os arquivos do Congresso americano revelaram outro caso grave de desídia, que foi o do ex-deputado estadual do Paraná Homero Marchese, que teve suas redes sociais banidas por Moraes por cerca de 6 meses simplesmente porque ele divulgou um evento público com ministros do STF. O órgão de estimação de Moraes, a infame Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação do TSE, colocou Homero no mesmo balaio de quem atacava os ministros do tribunal, causando a morte virtual de Homero, que por muito tempo não teve acesso aos autos e nem meios de se defender juridicamente do que havia acontecido. Homero avisou o gabinete do ministro, várias vezes do erro, mas mesmo assim Moraes censurou suas redes por um post que era não só legal como legítimo.
A terceira e última hipótese, prevista no inciso 5º, é a de que é crime de responsabilidade “proceder de modo incompatível com a honra dignidade e decoro de suas funções”. Moraes deu uma mostra disso nesta última semana, depois de um discurso no lançamento do “Museu da Democracia”, no Rio de Janeiro (RJ), recheado de ataques, xingamentos e ofensas a Elon Musk. Moraes classificou Musk como um dos “empresários mercantilistas de redes sociais que só visam lucro e unem poder econômico com o autoritarismo extremista de novos políticos”. Vocês perceberam o absurdo disso? Moraes xingou, ofendeu e criticou, em um evento público, alguém que é investigado por ele mesmo perante o Supremo. Em que mundo isto se tornou normal? Conseguem imaginar se Moro tivesse xingado e ofendido Lula desta forma em eventos públicos durante a operação Lava Jato?
A postura de Moraes ao xingar, criticar e ofender publicamente um de seus investigados é uma gravíssima violação do decoro do cargo de juiz, porque coloca em xeque a imparcialidade do ministro. Se Moraes está fazendo isso publicamente contra Musk, há chances para o empresário dentro do Supremo, enquanto Moraes for o relator de seus inquéritos? Há possibilidade de Musk um dia ser absolvido? A sociedade conseguirá acreditar que Moraes julgará de forma isenta, técnica e imparcial alguém que ele já vilanizou e demonizou publicamente? A resposta a todas essas perguntas é, obviamente, negativa.
Por Deltan Dallagnol