O tema do amor de Deus é o centro da mensagem cristã, tema fundamental da revelação. A Bíblia revela o amor de Deus através dos acontecimentos na história de um povo: de um Deus que ama, que busca o ser humano, estreita uma relação de amizade e de aliança. Ele também deseja ser amado. O amor de Deus exige do homem uma resposta sem limites ou condições. Este é o significado do sacrifício de Isaque, na vida de Abraão (1ª leitura, Gn 22,1-18) e na transfiguração de Jesus aos discípulos no monte Tabor (Mc 9,2-10).
A liturgia da Palavra de hoje nos leva à montanha, que, como o deserto, remete a inúmeros eventos da história da Salvação. Este espaço “em grande altitude”, a um passo do Céu, é o local onde Deus e a humanidade se encontram para fazer uma aliança, e onde Deus oferece ao homem sua Palavra portadora de vida, que pede para ser ouvida. Na montanha, também aprendemos que a vida é a arte de subir, uma metáfora tanto para a tribulação da prova quanto para o impulso de uma fé genuína que faz dizer: “Eu acreditei mesmo quando eu dizia: ‘Eu sou muito infeliz’” (Sl 115,1).
Abraão tornou-se um canal de bênção para os outros através de uma escuta que se tornou obediência. É a esta escuta obediente que o Pai quer conduzir os discípulos mais íntimos do Filho – Pedro, Tiago e João – levando-os à montanha e admitindo-os a um evento de glória onde o Filho é transfigurado, resplandece com a luz divina como uma antecipação da ressurreição.
Na montanha, em um novo espetáculo de luz (cf. Ex 19), o Pai renova sua aliança de amor com a humanidade revelando a dignidade de seu Filho Amado, que é a encarnação de sua Palavra e a síntese admirável de todas as palavras da história da aliança, que encontraram abrigo nos corações de Moisés e Elias – dois homens capazes de morrer para si mesmos.
Pouco antes de subir à montanha, Jesus explicou a seus seguidores que segui-lo significa aceitar morrer para si mesmos (cf. Mc 8,34-38); agora, na montanha, fica claro que apenas quem é livre de si mesmo pode viver como amigo de Deus, como os profetas, e como Filho de Deus, como Jesus, e que a Páscoa é a experiência de passar de viver para si mesmos a viver em um espírito de doação. Moisés e Elias estão mortos para o mundo, mas vivem em Deus por meio de uma forte aliança, fruto de uma escuta dócil e obediente. E enquanto o trio de discípulos está cativado pela beleza que emana de uma vida marcada pela aliança, o Pai, como no Batismo de Jesus, faz ouvir Sua voz: “Veio uma nuvem que os cobriu com sua sombra, e da nuvem saiu uma voz: ‘Este é meu Filho amado, ouvi-o!’” (Mc 9,7).
O Pai não pede sacrifícios e ofertas, mas apenas um ouvido disposto a acolher a Palavra das palavras. Antes era necessário dar espaço a uma série de preceitos, agora há apenas uma palavra para ouvir: o Filho amado do Pai, que também é testemunha de Seu amor fiel por todos.
O amor de Deus não se limita a palavras, ele se realiza através dos fatos: Deus nos doa o seu Filho único. Jesus foi o primeiro a percorrer o caminho que conduz à glória através da cruz. Jesus se torna a prova suprema do amor de Deus por nós, mas também a prova mais convincente da verdade das promessas de Deus.
Dom João Carlos Seneme, css Bispo de Toledo |