No monte Sinai o povo de Israel estabeleceu sua aliança com Deus, descobriu que entre Deus e a humanidade pode haver um diálogo e uma colaboração em vista da realização de um projeto comum de amor. A iniciativa parte sempre de Deus que se colocou no itinerário da humanidade para encontrá-la. A humanidade deve se empenhar para não deixar que este diálogo desapareça. A resposta de Israel é dada ao acolher e obedecer ao Decálogo (os dez mandamentos entregues a Moisés no Monte Sinai) e às leis contidas no Código Aliança (primeira leitura) como vontade de Deus. A partir do Decálogo foi se formando uma carta constitucional que orienta a vida do povo de Israel. As prescrições contidas na Torá (para os israelitas os primeiros livros da Bíblia) eram constituídas de 613 preceitos, dos quais 365 eram proibições e 248 mandamentos positivos. Como eram muitos, havia entre os estudiosos da Bíblia discussões sobre a hierarquia dos preceitos: qual era o mais importante, o mais grave, ou mais leve.
Este é o contexto que determina o texto do evangelho desse domingo (29/10). O confronto entre Jesus e os fariseus oferece uma oportunidade para refletir sobre o comportamento em relação a Deus e o comportamento em relação ao próximo (cf. Mt 22,34-40). Sabemos que é uma armadilha para desmoralizar Jesus diante dos ouvintes. Recordando que estamos em Jerusalém às vésperas dos dramáticos acontecimentos na vida de Jesus.
Jesus não foge da questão e responde fundamentando-se na Sagrada Escritura. Ele une dois mandamentos já conhecidos e praticados pelos judeus. O primeiro é amar a Deus (Dt 6,5), que resume a vocação própria de Israel, a razão de sua existência. Através de Cristo, a mesma vocação é nossa, somos chamados a amar a Deus no Filho amado. O segundo mandamento é amar o próximo como a si mesmo (Lv, 19,18). A realização desse mandamento faz parte da vocação de Israel. Somos cristãos, seguimos Jesus Cristo, ele ama o próximo como o Pai o ama. Unir os dois mandamentos é fazer a vontade de Deus. O amor a Deus e amor ao próximo são conectados entre si: um é tão importante quanto o outro. Eles não são idênticos, mas são necessários e se completam. Através da prática desses dois mandamentos, o ser cristão se torna total e genuíno. No amor o ser humano reencontra uma unidade e uma completude que envolve “coração”, isto é, consciência, “alma” (ser vital), pensamento e ação.
O amor não é uma simplificação da multiplicidade das prescrições e dos mandamentos; ele é a chave que envolve e resume a Lei e os Profetas. No Livro do Levítico 19 o amor ao próximo se manifesta através de proibições de enganar, oprimir, roubar, difamar, caluniar, odiar. Jesus afirma que o amor a Deus e ao próximo é a chave de toda Bíblia que dá sustento ao agir do cristão. Deste modo, o amor deixa de ser uma obrigação ou um dever e se torna uma escolha que nasce no coração e atinge todo o ser.
Deus ama o ser humano como ele é: na sua realidade de luzes e sombras. “Deus faz nascer o sol sobre maus e bons; faz chover sobre justos e injustos”. Deus não faz distinção entre bons e maus, nobres e pobres, pios e ímpios. Somos nós que dividimos o mundo segundo os nossos critérios. Deus não. Ele recorda continuamente que somos criaturas d’Ele e que estamos em estado permanente de conversão: não participamos somente do amor a Deus, mas participamos também do amor que se coloca ao lado do ser humano pecador e perdido, pobre e malvado. Que o Senhor nos ajude a realizar aquilo que rezamos. Que fé e vida se completem para que nossas comunidades e o mundo sejam melhores, reflexo de que somos criaturas de Deus.
Dom João Carlos Seneme, css Bispo de Toledo |